terça-feira, 15 de março de 2011

José Luís Peixoto:

O nosso tratamento pessoal é um pouco mais familiar graças à sua condescendência. No entanto, utilizo, neste breve artigo a linguagem que me parece mais adequada e elegante.
Quando o José Luís há duas semanas atrás, no lançamento do «Livro», aqui no Centro de Artes e Cultura, disse: «não fácil viver da escrita», eu lembrei-me de Régio que escreveu, «só os diletantes supõem que escrever é um prazer igual aos prazeres fúteis,...» - não cito literalmente porque não me recordo.
Por mim vamos direito ao assunto: «tudo está bem quando acaba bem» - Skakespeare. Peço desculpa a todos os intelectuais e poetas da Freguesia de Galveias que teriam, porventura, mais legitimidade para escrever este artigo. Mas foi-me pedido. Aqui me têm, para dizer o que penso sobre a proposta de atribuição do nome de José Luís Peixoto a uma rua da Freguesia, aprovada por unanimidade na Câmara Municipal de Ponte de Sôr. Ponha-se no meu lugar. Digo o quê? Quantas dezenas de pessoas naturais de Galveias não mereceriam uma referência na toponímica local - a única forma da sociedade prestigiar aqueles que mais admira? Já vê como é polémica a questão? Já vê como as palavras me pesam? Já vê quanto me preocupo com a fossilização de um cometa que brilha ainda no nosso espaço literário, e quanto isso me assusta? Pelas razões que imagina, e que agora não vêm ao caso. Por outro lado, eu sei que a sua genialidade, que varia na razão inversa da sua extrema humildade, está imune e é alheia a estes condicionalismos da fama a que chamará, sem pestanejar, apenas terrenos. É claro que vai continuar incólume com os aplausos da crítica, com esse estilo de escrita, que como Proust disse, «não é uma questão de técnica mas de visão».
Com esse modelo de escrita, repito, modulada por um silêncio sofrido até ao limite de caos e da solidão, até à exaustão sísifica, para no parágrafo seguinte nos rejuvenescer com palavras tão poéticas e doces, de um humanismo tão transcendente e de uma cristalinidade única, tão musical e genuína.
Tem sido objecto de todas as honrarias a que um jovem escritor por aspirar, quer a nível nacional quer internacional.
Nunca, no entanto, traiu as suas raízes autênticas. Portanto, acho legítimo que a Freguesia se antecipasse a qualquer outra, no tempo próprio.
Os poderes públicos já decidiram. Você já me conhece. É claro que prefiro passar anónimo na rua com o nome de qualquer outro, a ter o meu numa depois de já cá não estar.
Mas passar vivo na rua com o seu próprio nome parece-me ser um sonho para qualquer escritor, novo ou velho. E se Deus lho realizou é porque de facto o merece.
No fim de contas, a sociedade, sublinho, não tem outra forma superior de honrar quem de facto a dignifica num dado momento histórico... de acordo com a «circunstância», como diria Gasset.